Pioneirismo na desospitalização: ISG acompanha vida de 400 curados da Covid
5 de novembro de 2021
O fisioterapeuta Antonio Duarte, assessor de Desospitalização e Reabilitação Hospitalar do Instituto Sócrates Guanaes (ISG), prepara um artigo científico para mostrar que uma média de 70% dos pacientes internados com Covid-19 submetidos a ventilação mecânica nas unidades do Instituto saíram andando e com plena capacidade cognitiva na primeira fase da doença. É um dado a partir da compilação de informações das unidades do ISG, e um índice superior à média de pacientes em geral, estimada em 50% pela literatura médica internacional. Duarte vai bem além disso: ele afirma que essas pessoas saem preparadas para retomar suas atividades produtivas, o que é benéfico para eles, suas famílias e para a economia do país, pois reduz custos no sistema de saúde e na Previdência Social.
Quem se acostumou com a imagem de um paciente da Covid sair de cadeiras de rodas no momento da alta hospitalar, sob aplausos, pode rever seus conceitos. No ISG, a meta é bem mais ousada. Os esforços da desospitalização começam no momento em que o paciente chega ao hospital, e o serviço de Assistência Social busca conhecer sua rotina e suas habilidades. A partir das informações, um plano é traçado para que o paciente recupere, no próprio hospital, a capacidade de voltar a fazer o que fazia no dia a dia. O esforço inclui até a realização de atividades recreativas e lúdicas, sob a supervisão da equipe de reabilitação hospitalar, que podem ir de fazer crochê a mesmo chutar uma bola.
O assessor de Desospitalização descreve que um dos diferenciais do modelo de reabilitação do ISG são os estímulos sensoriais constantes – até para quem está sedado. Nesta situação, o paciente é posto em uma cama que permite deixá-lo quase em pé. Isso – a ortostase assistida -, descreve o fisioterapeuta, direciona o peso do corpo para o quadril e pernas, ativa o córtex cerebral e acelera a recuperação.
Saiba mais sobre o modelo de desospitalização do ISG lendo os principais trechos da entrevista de Antonio Duarte ao Acontece ISG.
Acontece ISG: O que torna o modelo de desospitalização do ISG diferente dos demais?
António Duarte: O ISG busca desde o primeiro momento a reinserção social do paciente, e a ferramenta para isso é a reabilitação hospitalar. O processo tem seu início já quando o doente começa a ser atendido e está focado em garantir as competências do paciente para que ele volte à sociedade com capacidade de realizar as tarefas que precisa exercer para conviver com independência. Nós iniciamos esse processo no ISG em 2012 no HDT (Hospital de Doenças Tropicais), em Goiânia, e não tínhamos conhecimento de sua aplicação em outro lugar.
A reabilitação hospitalar do ISG é um trabalho de equipe que começa com a assistente social, passando pela psicologia, enfermagem, ações médicas, fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. Quando o paciente entra no hospital, a assistente social colhe a história de vida dele, o ambiente em que vive, seu ecossistema, suas necessidades de mobilidade. Com essas informações, desenhamos e executamos nosso plano de ação para a desospitalização.
Acontece ISG: Esse processo ocorre para todos os pacientes de internação ou só para os da UTI?
Duarte: Todos os pacientes. O ISG é pioneiro na aplicação de uma série de testes no ambiente hospitalar, sobretudo em unidades de terapia intensiva. São os testes funcionais, antes usados em centros de reabilitação, de geriatria. Com esses testes, auxiliamos o paciente a alcançar os padrões necessários para viver fora do hospital. Por exemplo, vamos ver em qual velocidade ele caminha para atravessar uma rua em segurança. E queremos ir além. Queremos interagir com as prefeituras onde estamos presentes para que estabeleçam trajetos que permitam a mobilidade de qualquer pessoa, sem obstáculos como meio fios altos demais, calçadas esburacadas, semáforos com tempo reduzido. Esse é um diferencial do ISG, que pensa muito além do óbvio, que é tirar uma pessoa viva do hospital.
Acontece ISG: Como o modelo de desospitalização do ISG facilita a vida de quem vai para uma internação prolongada causada pela Covid?
Duarte: O que fazemos chama-se linha de cuidado. Todos nós, para viver, executamos tarefas essenciais, sentar, levantar e andar, que é o fluxo essencial da reabilitação do ISG. Não faz diferença se é Covid, pneumonia, uma doença ortopédica ou neurológica, todos precisam dessas competências. Consideramos as condições específicas e necessidades de cada paciente, o impacto clínico e funcional de sua doença, cientes de que, em realidade, todos precisam dessas competências.
Acontece ISG: E essa linha de cuidado tem etapas, metas?
Duarte: Temos metas sim. Por exemplo, até o terceiro dia, 70% da população internada devem estar caminhando. Vão caminhar. Pode ser com apoio, sem apoio, e o paciente vai progredindo, nossa equipe fica em cima.
Acontece ISG: Há um acompanhamento para saber como está a recuperação de quem foi para casa?
Duarte: Acompanhamos hoje 400 pacientes que foram tratados por nós de Covid e passaram por esse processo de desospitalização. Estamos fazendo um estudo que avalia os períodos de 30 dias, 90 dias e seis meses após a saída do hospital, para ver como está a reinserção deles na sociedade. Devemos concluir esse levantamento até o fim do ano. Também estamos preparando um artigo científico a partir de informações dos 400 pacientes que estamos acompanhando. Nesse artigo, vamos relatar os efeitos do modelo de desospitalização e reabilitação aplicado pelo ISG.
Acontece ISG: O principal item da meta é o caminhar? A desospitalização se concentra principalmente nessa capacidade de mobilidade?
Duarte: Claro, mas a linha de cuidados do ISG exige atenção até para a forma como o paciente vai para o ventilador, na emergência. Porque isso vai interferir na velocidade com que eu consigo fazer com que ele ande. No Hospital Regional de Registro, implantamos um modelo, que levamos para as outras Unidades, pelo qual impedimos a intubação em 76% dos casos em que seria usada, com um processo chamado ventilação não invasiva. Evitamos a intubação, a sedação. E colocamos o paciente para andar no primeiro dia, tudo isso, é claro, quando é possível e recomendável, sempre em alinhamento com a equipe médica.
Acontece ISG: Como é essa ventilação não invasiva?
Duarte: É um processo conhecido há muito tempo. Usamos um equipamento especial, um capacete. Tínhamos experiência com isso desde 2003. Quando começa a pandemia e a gente vê na Itália o uso do capacete para respiração, decidimos usar também. O Gabinete Técnico do ISG, que é um grupo de especialistas, pôs isso em pauta. O ISG se movimentou, foi ao mercado, conseguiu esses capacetes, fez parceria com as indústrias, e os colocou em todas as Unidades.
Acontece ISG: Esse capacete era usado em quais situações antes da Covid?
Duarte: Nas mesmas coisas. Um risco para os doentes de Covid talvez tenha sido querer reinventar a roda. Nas Unidades do ISG, tivemos sucesso porque usamos conhecimentos que já estavam prontos. Com isso, nossa média de internação de Covid é semelhante às médias dos melhores hospitais privados do Brasil. E nossas Unidades são 100% SUS. O modelo de desospitalização do ISG tem resultados positivos em todos os tipos de internação. No Hospital Regional de São José dos Campos, após uma cirurgia de quadril, o paciente está pronto para ter alta em 24 horas. Essas rotinas do ISG, além do benefício ao paciente, também são positivas para a preservação dos recursos públicos, da Previdência Social, pois quando o paciente se reintegra rapidamente ao mundo do trabalho, ele desonera o sistema público de saúde e de previdência.
Acontece ISG: De um modo geral, o principal do método de desospitalização do ISG é manter o paciente em atividade, evitar a perda de mobilidade?
Duarte: Sim, mantê-lo em atividade física e mental. Na parte mental, para manter o raciocínio, vamos desde jogos adaptados, desde a história de vida do indivíduo. Por exemplo, se a pessoa faz crochê, a gente pede para a família trazer o material, não importa se ela está no respirador ou não. Aplicamos várias formas de estimulações sensoriais. Mexer com a gravidade, por exemplo. Colocamos em pé até mesmo o paciente que está desacordado, em coma, pois a descarga de peso manda estímulos para o córtex cerebral, o que faz o corpo se manter ativo.
Acontece ISG: Como se mantém alguém sedado em pé? Há uma cama especial?
Duarte: Sim. O ISG tem essa cama, que verticaliza o doente. Quando se coloca peso no joelho e no quadril, há nessas regiões uma série de receptores que informam ao córtex cerebral para que ele aumente a tensão do corpo. Isso lembra a história do astronauta. Em ambiente sem gravidade, o astronauta perde essa informação. O mesmo ocorre com o doente acamado, com sedação, por mais de 48 horas, o córtex apaga. Quando colocamos o paciente na posição vertical e criamos as chamadas “perturbações posturais”, como oscilar o corpo, a função executiva começa a ser ativada. Quando você canta com ele, traz a família pra cantar com ele, quando ele desperta e começa a replicar os movimentos, a vestir a roupa, escovar os dentes, tudo isso vai consolidando um processo de recuperação. Por isso é que o despertar é importante, porque mantém o nível mental. Se o paciente não está desperto, não consigo fazê-lo andar.
Acontece ISG: A cena do paciente saindo em cadeira de rodas, aplaudido, com balões, tornou-se um símbolo de tratamento de sucesso na pandemia. Essa imagem deveria ser substituída por uma pessoa caminhando para fora do hospital?
Duarte: Sair na cadeira de rodas ainda é um critério de segurança. Eu gostaria que o paciente saísse correndo, largando aqueles balões para trás. Para que os pacientes saiam andando perfeitamente, temos vários testes nos quais eles são desafiados para saber o risco de queda. Eles cumprem, no hospital, tarefas do meio urbano, que nosso método vai simular. Buraco de calçada, meio fios altos, desafios urbanos. Ao fazer as simulações, o paciente está treinado, testando, para um risco de queda zero.
Acontece ISG: Quais os resultados efetivos desse modelo de desospitalização? É possível medir em números?
Duarte: Setenta por cento dos nossos pacientes que passam por ventilação mecânica saem do hospital andando. Este é um resultado que apresentamos no XIII Congresso Mundial de Terapia Intensiva, em 2017, no Rio de Janeiro (“Functional Approach with progressive and meta directed mobility therapy and its impact on the functional independence of hospital discharge from intensive care patients undergoing mechanical ventilation”), com dados coletados no Hospital Estadual Azevedo Lima, gerido pelo ISG. A média internacional é de 50% (Journal of Critical Care – 2012). Quer uma notícia ainda melhor? Setenta por cento dos nossos pacientes Covid, da primeira fase, que foram para a ventilação mecânica, também saíram do hospital andando.
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